segunda-feira, 24 de maio de 2010

Para. Enquanto o motorista [deve ser nordestino] conta uma piada, sobe uma menina-mulher com um bebê entre os braços e passa, sem passe de estudante. Fica uma pequena de uns seis anos [que não conhece o pai mas sonhou com ele noite passada] na catraca. A mãe explica que criança passa por baixo. Ao mesmo tempo um casal briga lá fora [e vão se beijar em meia hora por que isso é romântico]. Um menino que vende balas pra ajudar a mãe a comprar uma bíblia de presente de aniversário pro pai [alcoólatra] atravessa a faixa de pedestre, onde morreu uma senhora semana passada. Um velho vira a esquina correndo [com um caderno de caligrafia, um lápis e uma borracha dentro de uma sacola de super-mercado]. O moleque oferece bala. Que não responde [o velho, uma vez que o menino perguntou, a senhora havia morrido, o motorista contava a piada e as meninas procuravam um lugar para se segurar no ônibus. O casal ainda discutia] e continua a correr apressado. O sinal abriu. Não pude ver aonde ele ia. Voltei a ler, para não perder tempo. Tempo não pode passar. Não deve parar para não se ver.

terça-feira, 18 de maio de 2010

"Da areia"

Que saudades tenho daquela areia
Lá meus pés podiam sujar-se à vontade
e não pareciam nada além de pés
sujos de areia e só
Gostava da areia
daquela que me deixava afundar os pés
como se não houvesse tempo
apenas eu e o mar
Como sinto falta de olhar
aquele sem fim de desconhecido
que tantas e tantas vezes
me deixou em paz
Parecia moldura para o pôr-do-sol
[ pintura engraçada que se pinta
todo dia e nunca se repete ]

Às vezes é como desenho de criança
sublinhado de canetinha colorida
quando o sol insiste em ficar lá
até o último segundo



Há também os dias em que ele
resolve não ir
quando deve estar com preguiça
e então as nuvens derretem-se
e preenchem toda a tela




Nesses dias fico imaginando
o que elas querem ser
mais ou menos como fazia
quando era criança
a diferença é que naquela época
eu sabia
Disso e de todo o resto
hoje é que sou confusa


Mas meus dias preferidos são
aqueles em que quase não há sol
Gosto deste quase
deste parece que
Talvez seja fruto dessa minha confusão
Não importa
Até por que quando vejo aquele
pôr-do-sol
[ de sol que se põe escondido ]
sinto-me completa
[ como a tapioca da esquina
e as crianças correndo na frente
da biblioteca ]



São meus quadros preferidos
E tudo se perde num colorido
Um céu com jeito de papel pardo
riscado com gis de cera
cor-de-rosa
Melancolia que me colava os pedaços

De dia ela [ menina ]
marcada por tropeços e desenganos
feita de sonhos e ousadia
De noite eu
Só eu
Eu só.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Ela prefere ficar distante
Dito que não sabe mais quem é
Sabendo que nunca o soube

E em seus passos

[ já não tão coreografados ]

insiste em deixar suas marcas
na areia da praia
onde não mais pisou

O sol parece não se pôr
todos os dias
Quando lembra
de lembrar
de olhar pro céu
ele já tem se posto
O sol não o céu
uma vez que o céu
não se põe

Mas ainda acredita na vida
nela

[ menina ]

no sol

Embora já não o veja
como antes
[ Embora nunca tenha
se visto ]
Ainda que ele não
brilhe mais.
Quando tiver asas
livrar-me-ei de
todo esse plástico
deste palco sem aplausos
de todo esse pudor
Dessa vez nos bolsos
já não levarei mais nada
posto que quando eu
tiver asas
tudo o que há de se levar
estará em mim.

Dias de mãe

Livrei-me de datas
uma vez que já não
posso enconstar-te
os pés gelados
derretida em teu colo
nos dias em que desejo
com tudo o que sou
voltar para casa
depois de um dia
qualquer
sem nada de especial
uma vez que não
te verei
quando ele acabar
Hoje para mim dias
como esses
são teus
Dias em que afasto-me
de quaisquer
tempos
e espaços
só para ouvir
a tua voz
Sinto em admitir
mas não sou mais
tão atenta ao
atravessar a rua
nem lavo minhas mãos
como pedes
Sinto
mas confesso
cresci
Mas lembro-me de ti
- verdadeiro amor -
todos os dias
em momentos menores
ainda que estes
E esses momentos são teus
como os dias
[ e também as noites ]
e toda a minha vida
você.
Não sou poeta
tampouco louca
Talvez um tanto infantil
uma vez que na infância
é que somos quem
queremos ser
e apesar de pensarmos
tanto não fazemos disso
nossa própria prisão
Digo isso para que desistas
e regresses ao que fazias
antes
se esperas ver algo de
poético
Não
Não sou poética
Sou devaneio
não loucura
Apenas faço com minhas mãos
o que sinto
Desenho em palavras
- não versos -
toda minha alma

E se antes de sentir
eu penso
Antes de pensar
eu sou.