terça-feira, 30 de novembro de 2010

ao "despacio" passante


       sou só saliva
       e todo coração
       feita de gente
       que descompassa
   
                                        divaga

       e devolve demasiado o desejo

       de encontrar
       chaves certas
       pr'esta minha
       cabeça quebrada
       que só sabe seguir

à esquerda

       ainda que os físicos
       jamais resolvam
       a equação da felicidade
       ou os filósofos
       possam explicar
   
       por que santos  flores

                                            e pensamentos

       podem estar em dois

                                            lugares

       na hora do almoço
       ao invés de mim

                                     revés
   
       porto escondido
       de mares e navios
       sem luz de lua ou
       de feixe qualquer

       pobre astigmata
       inundado em sonhos

       lúcidos deuses
       dos sentidos
       de silenciosos
       sussuros selados
       por este hiperbólico
       coração-gruta

                                 aos gritos

       em melodia deste olhar
       sem compasso
    
                                  contra
                                  o
                                  tempo

       rabisco involuntário
       a tinta inelével que
       marcou a folha e só

       "assim a vida"
                                 passa

domingo, 14 de novembro de 2010

noite passada o presente dormia
e ela sonhava com este amor
que não cabe na métrica

deve ter lido sobre ele
em algum livro quando criança
ou o pequeno príncipe
o chochichou baixinho
e ela o guardou na
garganta de seu mar
de vidro em pó azul
cor de memória

hoje bandeja o framboesa
de seu sangue em pedaços
só por um dia qualquer
em que tentou escrever
um poema e teve de trocar
a palavra amor por afeto
pra fazer mais um desses
decassílabos heroicos de plástico
tal qual sua vida se tornou
desde um verão que passou
e ela nem viu
procurando um metro
em que o amor coubesse
e ela também

li no jornal de hoje
que continuariam a se
desencontrar amanhã
tudo em seu lugar
posso dormir agora

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

centelha

a Izabela Lippi

eu por não saber pintar-me tão bela
feito flor quando triste
enquadro nostalgias em meu casulo
de puras incertezas
triste ainda sigo rasgando versos
de vidro deste sóbrio
coração perdido vagante desde
que n'outra primavera
estalou só pela última vez

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

[ nesta vida nada é cor só
mesmo o triste descolorido
do dia orna preto e branco ]

da janela ruído de falta
noite sabor d'água morna
à sombra de lua truncada
hino ao arguto decesso
brinde vazio às desgraças
esmolas de céus cristãos

cantem os filhos de Agnes
em notas diáfanas de Ravel
anteponho esta golpeada coda
eu silêncio a bailar com a dor

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

não há passo espaço coreografia
de castigo a bailarina pirueta em
abismo de ferir oito tempos segue
insistente e só feita de aguardar
a morte ou qualquer coisa de ânsia
de valer o fiel espetáculo do fim
e isto de vazio tomando conta feito
o frio da perda do medo o claro
corta penumbra cega e não mata

contando que o tempo dê hora incerta
e o óbvio caiba num copo de requeijão
esta fonte sangria jorra lembrança feito
lápide quebrada ao meio ou canção de
ninar que tua voz em sonho sussurra
fantasia desiludida não soou aplausos